quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Uns olhos...

“O amor sempre vem”
Eu achava o maximo as pessoas que acreditavam nisso, no entanto nunca tinha me acontecido. Havia me relacionado com varias pessoas que me causaram bons sentimentos e sensações, porem nunca tinha sentido os fervores e loucuras descritas por quem ama. Não tinha sentido nada até aquele dia.
Ao acordar parecia um dia normal, porque era um dia normal. Os deuses não fazem mais bonito o dia que você vai se apaixonar, não mesmo. Tudo estava no seu devido lugar. A continua rotina teve sua continuidade inalterada. O toque do despertador, o banho, o escovar dos dentes, o ônibus lotado, o café da manha na estação, o metrô lotado... Foi ai que as coisas começaram a mudar.
Eu ouvia musica durante a viagem ao trabalho, era mais de uma hora perdida da minha vida. A musica me distraia e fazia o tempo passar rápido. Ah! Como eu queria que ele tivesse sido bem lento naquele dia. No meio da minha distração, tentando acompanhar uma musica numa língua que eu nem conhecia, eu levanto a cabeça e no outro extremo do vagão vejo o par de olhos mais lindos que já vira. Devido a distancia e a multidão só via os olhos, a testa e um pouco dos cabelos. Belíssimos! Completamente harmônicos entre si!
Os olhos eram de um azul brilhante, intenso, pareciam pedras preciosas ou estrelas. O cabelo de um loiro artificial que só fazia deixar mais brilhante os olhos (as tinturas eram bons investimentos). Eu não conseguia parar de olhar, meu coração doía quando o trem parava nas estações e a entrada e saída das pessoas atrapalhava minha visão. Foram oito estações de só eu olhar, porem, antes de chegar a nona ela também me viu e aqueles olhos me sorriram, brilhando ainda mais. Foi ai que senti o fervor, a adrenalina, a vontade de não sair mais dali.
O trem chegou a nona estação, meu coração parou enquanto as pessoas entravam e saiam. As portas se fecharam, procurei os olhos novamente e eles não estavam mais la. Procurei pela janela do trem, mas nenhum dos transeuntes parecia ser dono daqueles olhos. Tentei pegar o metrô no mesmo horário inúmeras vezes, mas acabei por me conformar que havia perdido aqueles olhos para sempre.
A lembrança me trouxe bons e maus momentos por toda a vida. Aquela sensação não se repetiu mais. Conheci outras pessoas, outros olhos, casei poucos anos depois com alguém de olhos castanhos (um pouco brilhosos). Tivemos bons filhos de olhos também castanhos, o mais novo tinha-os quase pretos. Tive uma boa vida, tão boa que não queria deixá-la. Lutei contra as doenças da velhice com um empenho impar. Até a enésima vez que fui ao hospital.
Depois de ter passado o risco maior a enfermeira entrou no meu quarto. Usava uma mascara cobrindo a boca e o nariz, mas os olhos... Eu tinha certeza que não eram os mesmos. Ela era muito nova para ser a mesma pessoa, devia ter a idade de um dos meus netos, mas eram idênticos aqueles do metrô de tantos anos atrás.
Tentei falar a ela algumas coisas que queria ter dito naquele dia, saiu algo tímido:
- Seus olhos são lindos.
Ela reagiu com naturalidade, como se tivesse acostumada a receber inúmeros elogios desses (devia recebê-los mesmo). Tirando a mascara, para mostrar que não só os olhos eram lindos, mas todo o rosto, ela falou com serenidade:
- São “herança” da minha avó...
A resposta deu uma nova vida ao meu coração cansado.
- ... e o interessante é que ela era da mesma cidade que o senhor. – completou.
- Era? – indaguei como se a nona estação tivesse chegado novamente.
- Sim Senhor, era. Ela faleceu a dois meses.
Neste momento larguei as armas da batalha pela minha vida. A dona Severina foi traiçoeira e usou uma arma que eu não podia me contrapor. Morri menos de uma semana depois, durante o sono com um sorriso no rosto. Não levei como uma derrota, não era. Seria uma nova busca. Havia a esperança de reencontro.

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