quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Bacurau

Ônibus são verdadeiros templos da filosofia moderna. Os que rodam pela madrugada chegam a ser sagrados tamanho seu potencial de produzir pensamentos e questionamentos numa alma.

Foi num ônibus e em plena madrugada que resolvi deixar minha solidão um pouco mais matemática. Cheguei a conclusão de que demoraria cerca de uma semana pra que eu fizesse falta significativa a alguém caso desaparecesse do nada. Claro que alguém me notaria ausência antes disso, no entanto demoraria mais ou menos esse tempo para que se tornasse algo serio na cabeça de alguém.

Ainda estenderia isso a um tanto, caso minha barraca de camping não fosse encontrada no meu quarto, esse tempo aumentaria para umas três semanas aproximadamente.

Não tenho para quem dizer onde vou, nem para avisar que cheguei. Agente passa toda adolescência querendo que isso aconteça e quando acontece... bem, como quase todas as coisas que queremos para quando ficarmos adultos, não é tão bom assim.

Você não ter para quem voltar, ou a quem dizer como esta, ou alguém ao menos para se preocupar é um tanto... solitário. Dá um frio, umas sensações estranhas diante dos espelhos.

Sei o quanto aquele Narciso interno é importante para cada um de nos, e por mais que ninguém mais divida da opinião dele, ele consegue nos convencer com tanta facilidade. Se ele diz que estamos lindos, elegantes, gordos ou feios, não há ninguém no mundo que nos convença do contrario. Imagine então quando ele te olha, olha e olha mais, foca bem nos fundos dos seus olhos e diz:

- Você esta sozinho!

Me diz quem vai dizer contrario? Quem vai dizer, de um modo que você passe a saber que não esta?

Meu Narciso me diz que apesar de jovem, bonito e inteligente estou sozinho. Meu Dom Quixote me diz que os gigantes são moinhos de vento. As princesas são todas madrastas.

A vida então se resume a um conto de fadas ao avesso. Um conto de fatos. Uma imagem preta e branca, fria e sem som. Onde você sozinho não possuem as capacidades de colorir, aquecer, nem de lhe dar uma boa trilha sonora.

A muito me desiludir e não procuro mais; amor, paixão, fidelidade, ou qualquer destes sentimentos fantasiosos e alegóricos. Procuro apenas companhia. Alguém que esteja do meu lado mesmo quando eu não quiser ninguém perto de mim. Que sinta pesar nos despedidas. Que pense em me dizer se ganhar um prémio, se tropeçar na rua e ate mesmo se não fizer nada e queira ouvir as minhas futilidades diárias mesmo que não esteja nem ai pra elas.

Eu quero a sorte de amor tranqüilo com sabor de fruta mordida.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Das falsas verdades dos Satiros e Ninfas

Ele estava em seu escritório, perdido entre dados, tabelas, e-mails e relatórios. Concentração máxima. Revelada pelo modo de apertar os lábios e de erguer as sobrancelhas sob os óculos e quebrada pelo toque do telefone em sua mesa.

- Sim.

- Bom dia Senhor XXXXX. A Senhora XXX XXXXXXXX, esta aqui disse que marcou com o senhor.

- Comigo?

- Sim. Ela é XXXXXXX da empresa XXXXX.

- Certo. Acho que foi marcado sim. Mande entrar.

Seria mais uma conversa inútil que tomaria seu tempo, pensou ele, mas um pouco de descanso poderia fazer com que ele pensasse melhor ao voltar ao que estava fazendo. Ela entrou na sala e ele nem se quer tirou os olhos da tela de seu computador. Ela estava sorrindo aquele seu sorriso maravilhoso. Ele nem se quer percebeu quem era, respondeu a seu bom dia e pediu que ela sentasse. Ela percebeu que não foi reconhecida.

- Oi! Não lembra mais de mim?

Ele finalmente a olhou. O coração veio a boca, mas claro que ele não deixaria transparecer.

- Ah! É você. Oi.

- Como assim “oi”? É assim que você trata suas visitas de negocio?

- Você não venho aqui a negócios.

- Como sabe?

- Tenho certeza!

- Você continua tão frio, seco...

- Posso ser pior...

Alguns minutos de silencio e olhares. Ela pensava em como ele não havia mudado nada no seu modo de falar e de agir e quase nada na aparência. Ele só pensava como ela tinha conseguido ficar ainda mais linda. Ele quebrou o silencio.

- Não estou muito disposto a perder tempo. Qual o assunto de negócios que você quer falar?

- Você não disse que tinha certeza que eu não falaria de negócios?

- Achei que ao menos você poderia mudar de opinião.

- E por que você não pode?

- Olha! Vamos parar de palhaçada! Você pode, por favor, dizer o que quer aqui? To com pouco tempo pra desperdiçar.

- Desperdiçar? Eu sou desperdício de tempo pra você? Mesmo depois de...

- Depois de que??? O que você quer que eu faça??? Depois de anos que você me deixou, reaparece no meu trabalho e quer que eu a receba de braços abertos como se nada tivesse acontecido?

O que eu devo fazer te chamar de meu amor como se você não tivesse me deixado, ou te tratar de forma cortes como bons amigos como se nunca tivéssemos tido nada?

Olha na minha cara e diz!!!

Ela ergueu a cabeça, seus olhos brilhavam ainda mais agora que estavam marejados de lagrimas que se esforçavam para rolar contra a vontade dela.

- Achei apenas que seria diferente. Tudo não passou pra você? Eu não passei pra você?

- Você me deixou! Eu tive que fazer você passar pra mim. Sim, eu consegui. Mas não tenho obrigação de achar bom te ter aqui. Vivi muito bem a minha vida sem você até hoje.

- Desculpa! Não queria atrapalhar.

- Como você consegue ser cínica a suficiente pra me pedir desculpa por esta aqui hoje depois de tudo?

- Não é cinismo. Apenas achei que...

- Você achou? Você acha que tem direito de achar alguma coisa?

- Calma XXXXXXX?

Ela percebeu tarde demais que o havia chamado da forma que fazia no passado. Ele também congelou. Não podia mostrar a ela que tinha gostado daquilo.

- Desculpa me exaltei.

- Não, eu que peço desculpa, não tinha o direito de vir aqui.

- Realmente não tinha.

- Estou indo embora então.

- Me deixe abrir a porta pra você.

- Quer mesmo que eu vá?

Ele se aproximou dela, olhou bem dentro dos seus olhos. Lembrou da primeira declaração de amor que fez a ela, citando que se maravilhava quando se via no brilho dos olhos dela. Não deixou a lembrança transparecer no rosto. As mãos por outro lado tremiam involuntariamente. Ele percebeu que era mais forte do pensava e mais fraco do que desejava naquele momento. Respirou fundo, se concentrou e disse da forma mais convincente que conseguiu:

- Sim! Eu quero.

- Quer o que?

- Eu quero que você vá embora. Não só da minha sala como da minha vida. A muito você não faz parte dela e gostaria que continuasse assim.

- Você, insatisfeito de me esquecer no coração, também quer me esquecer aqui.

Ela falou apontando a mão para a testa dele. Ele fechou os olhos ao seu toque. A mão dela desceu de forma carinhosa por suas bochechas. Cada pêlo do corpo deles se arrepiou. Ela se aproximou e quando seus lábios quase se tocaram ele abriu os olhos segurou nos seus braços e a afastou de si.

- Não!!! Passei anos para que me curar de você.

- Curar? Por acaso sou alguma doença?

- Foi! Foi uma doença pra mim. Não vou me deixar ser infectado novamente.

Ele deu as costa e estendeu o braço apontando a porta. Ela se levantou da cadeira e deu três passou em direção a porta, voltou correndo e o abraço pelas costas. Sua boca foi até bem perto do ouvido dele e ela soltou num sussurro.

- Foi muito difícil pra mim também. Perdi noites e noites em meio a arrependimentos e suplicas para desfazer tudo que tinha feito. Nada tinha o sabor que sentia quando estávamos juntos. Procurei substitui você em tudo que você me negou mas não foi o suficiente. Tentava juntar forças para tentar falar com você, mas você já me afastava no primeiro momento. Senti tanta falta de estar assim perto de você.

Ele não deu uma só palavra. Não fez um só gesto. Por dentro seu corpo incendiava. A quanto tempo não se sentia assim nem lembrava. Lembrava apenas que tinha sido com ela.

Tentou seguir a razão para afastá-la novamente e fazer com que ela saísse. Não conseguiu. Tentou falar qualquer coisa racional para dizer que não se sensibilizava com o que ela dizia. Também não conseguiu.

Virou o corpo lentamente e sem abrir os olhos a abraçou de volta. Sentiu seu cheiro, a textura do cabelo, a delicadeza da pele.

Ergueu um pouco a cabeça, olhou novamente nos olhos dela. Eram quatro olhos chorando na sala agora. Encostou suavemente sua testa na dela, depois o nariz, seguido dos lábios. Dois beijos leves nos lábios foram seguidos pela mão dele na nuca dela e um beijo digno dos filmes de Hollywood.

Depois de minutos de tato e paladar, os dois se separam com a respiração ofegante. Ele se recompôs primeiro.

- Desculpa. Isso não devia ter acontecido.

- Devia e aconteceu. Não me arrependo e gostei.

- Não pode ser assim. Não é assim.

- Você esta certo. Eu vou embora. Agora vou mesmo.

O rosto dele voltou ao formato de estatua de pedra assim como quando ela entrou na sala.

- Quero lhe pedir algo.

- Peça.

- Vá embora, mas vá de vez. Não volte mais aqui, nem em lugar nenhum da minha vida. Somos você e eu agora, não existe mais nós. Finja que isso não aconteceu.

- Certo. Eu vou.

Ela ajeitou as roupas e os cabelos, respirou fundo, deu as costas e saiu tendo a certeza que voltaria e que seria em breve. Mesmo tendo prometido a ele, ela voltaria. Ele ficou olhando ela atravessar a porta pedindo a todos os deuses para que ela voltasse e dissesse que tinha vindo para ficar e ficar para sempre mesmo se ele não quisesse.

A porta demorou uma eternidade para se fechar por completo. Ele ajeitou o paletó e a posição dos óculos sobre o rosto. Levou a mão a nuca e coçou algumas vezes. Pendeu um pouco a cabeça pra esquerda pensando em tudo que tinha acabado de acontecer. Coçou a testa um pouco. Respirou fundo e voltou a sentar frente ao computador e aos papeis. Abriu o arquivo que lia antes do telefone tocar, apertou os lábios e ergueu as sobrancelhas.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Dos desencontros dos Satiros e Ninfas

...

Ela desviou o olhar do dele e perguntou:

- Onde você estava esse tempo todo?

Um sorriso se mostrou em ambos os lados da boca dele. Uma raridade entre seus sorrisos falsos de apenas um lado da boca. Em meio a esse sorriso ele respondeu:

- Te procurando!

Ainda com o olhar no alem ela rebate:

- E porque demorou tanto?

O sorriso se desfez num olhar de duvida com uma das sobrancelhas erguida. Os segundos de duvida pareceram horas e só tiveram fim quando se transfiguraram em uma pergunta:

- Foi tanto assim, que não posso te ter mais?

Ela voltou o olhar para ele. Seus olhos redondos e brilhantes estavam apertados e foscos, exceto pela lagrima que surgia no cantinho de um deles.

Ela beijou os lábios dele, recuou e tragou demoradamente o cigarro que tinha entre os dedos. Ele jogou seu tronco contra as costas da cadeira em que estava sentado, tomou um gole rápido em copo descartável que continha um pouco de cerveja. Como ela estava quente...