segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Proximo

Fui novamente despertado pela manhã. A tanto que não acordo. Meus primeiros sentidos vieram da boca. Vestígios do gosto das bebidas, o seco das fumaças e o úmido das salivas.

A cabeça apertava numa sutil ressaca, mais moral que física. Os olhos doendo e ardendo e me mostraram meu desleixe com meus cabelos, barba e bigodes.

Mecanicamente, fiz tudo que sempre faço pela manhã para poder começar o meu dia (louco para terminá-lo). Sai de casa querendo voltar para a cama. Curti cada hora, como um paciente na sala de espera de seu dentista, louco para que chegue sua vez.

Assim o dia se foi e eu vou para cama pedindo que ele não volte.

sábado, 17 de outubro de 2009

Tropeço

No meio do caminho tinha uma porra de uma pedra
tinha uma porra de uma pedra no meio do caminho
tinha uma porra de uma pedra
no meio do caminho tinha uma porra de uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida do meu dedão tão esfolado.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma porra de uma pedra
tinha uma porra de uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma porra de uma pedra.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Das recordaçoões dos Satiros e Ninfas

Eles sentaram olhando juntos algumas fotos. Apenas algo para fazer quando a conversa acabou. Ela via a fotografa e entregava a ele perguntando alguma curiosidade sobre a imagem ou fazendo um elogio. As fotos seguiam envelhecendo a cada “onde foi isso” ou “que lugar lindo”. Até que chegou a momentos de um passado remoto, anunciados por um “ah dessa eu me lembro”.

Perdida entra as demais estava uma fotos deles juntos. No aniversario dela, ele de chapéu e óculos de sol estilo aviador. Ela com uma camisa vermelha que ambos adoravam (bem por isso ela usava tanto). Ela sentado no colo dele, sorriam como se não houvesse no mundo lugar melhor para se estar.

Eles pararam e ficaram refletindo aquela foto. Até que ela quebrou o silencio: “Você não tinha rasgado essa?”. Ele fez uma cara de envergonhado e disse entre dentes: “Revelei outra”.

Mais alguns minutos de apreciar a imagem ou aqueles velhos momentos e num suspiro ele soltou um pensamento: “é uma pena”. Ela olhou pra ele com a certeza nos olhos: “Realmente, parecia que daria certo um dia. Mas iria demorar muito...”. Ele interrompeu: “Não! A muito eu cansei de lamentar isso. A pena é outra”. Uma duvida/espanto brilhou na cara dela: “Qual seria então?”. Ele abriu um sorriso de serenidade: “Uma pena que nenhuma dessas pessoas exista mais! Pareciam tão felizes...” Ela interrompeu: “Elas não são agente?” nunca fora muito boa em entender os pensamentos dele. Ele nunca cansou de tentar explica-los a ela: “Não, realmente não são. Tenho até inveja dessas pessoas que não vejo a tanto tempo e da felicidade delas. Somos hoje dois estranhos deles, se eles nos visse não reconheceriam com certeza.”

Uma lagrima veio aos olhos dela, os dele já estavam cheios delas. Ela se levantou e pensou em algo diferente para fazerem dizendo estar cansada de ver fotos.

Do outro lado da porta a vida seguia seu curso normal.

sábado, 10 de outubro de 2009

Depois de Março

Acordei três vezes hoje. O telefonema de um grande amigo e despertador não foram suficientes para me desgrudar da cama. Somente após o terceiro despertar resolvi me levantar.

Antes de qualquer coisa, andei só de cueca pela casa para ter certeza de que tudo estava no seu devido lugar. E estava. Eu claro, esperava que não estivesse. Gostaria de ter me acordado alguns anos antes. Não aconteceu, acordei hoje mesmo.

Depois da certeza fui ao banheiro. Olhei-me no espelho e procurei logo meus olhos. Encontrei tão fácil. Acho que já me acostumei com o local onde eles estão. Olhei bem fundo. Dentro dele ainda estavam as alguns traços vermelhos me lembrando das minhas ações na noite anterior.

Concentrei-me e olhei ainda mais fundo. Finalmente me vi. A partir desse contato olho a olho que tive comigo mesmo tive certeza de algo que venho me questionando há certo tempo. Perdi meus dons. Todos eles. Das luzes as palavras. Tenho hoje o espectro disforme de tudo que já fiz um dia. Assim como a fama disseminada pela amizade de um potencial que um dia poderia vir a ter.

Fui com o passar dos dias me tornando de tudo que eu era para uma serie de nãos. Não sorri. Não amar. Não amado ser. Não fui. Não tive. Não fiz. Não conquistei. Não lutei. Não, não e nãos...

Duvido até mesmo que reste lá dentro algum vestígio do monstrinho verde da esperança. Creio que reste apenas vestígios de vida, enquanto não surge os primeiros traços de morte.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Passatempo

D T J K D E Y P A
R V X X X T F C T
E L O U R T F V S
P Z Q N E U Z S B
N D U S P J N B S
L N N E D V T E K
O L F V B O E G Z
S I O A M O L B K

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Do encontro de Sátiros e Ninfas

Ela veio com um sorriso largo e os olhos brilhantes.

Fazia muito tempo que não se viam e das ultimas vezes vinham apenas se vendo. Mantinham-se de longe. Trocavam um olhar só para saber que um viu o outro. Depois passavam a se observar de longe, sutilmente, para que não se percebessem.

Dessa vez, quando os olhares se encontraram ele mandou um sorriso para ela. Foi só uma levantadinha das pontas da boca. Sendo que, na situação em que eles se encontravam, aquilo valia como um imenso sorriso.

Ela, longe, respondeu com um sorriso bem mais largo, jogando a cabeça um pouco para direita. Era do seu feitio aquele sorriso, mesmo que fosse falso. Ele não saberia distinguir, claro.

Junto com o sorriso veio a coragem. Então ela chegou perto com aquele tipo de conversa trivial: “Como você esta?” “como esta a família?” “Os estudos?” “O trabalho”... Tudo muito mal respondido por ele que quase não fez perguntas. Falou apenas o necessário. Uma piadinha às vezes quando a camada de gelo entre eles estava espessa demais.

Com um tempo alguns indícios de uma intimidade que não existe mais começaram a surgir. Aproveitando esse ensejo ela pergunta: “Já deixou de me amar?”. Ele olhou como se duvidasse que ela perguntaria aquilo, ou como se tudo fosse muito obvio: “Não, mas aprendi a viver sem você.”

A conversa perdeu o desenrolar por instantes. Pareceram horas para eles. Então alguém puxou um novo assunto que volta a se desenrolar como no começo. Perguntas habituais, sociais. Coisas que não se quer saber na verdade, muito menos se quer dizer.

De repente algum amigo o chamou, ou a ela. Eles se despediram formalmente. Um abraço desajeitado, cheio de embaraço e ambos se dão as costas.

Ele começou uma oração silenciosa que pedia que ela voltasse para dizer que o quer de volta, ou apenas para lhe dar mais uns minutos dela. Ele não sabia o que ela estava pensando. Resolveu então, esquecer isso por mais tempo.

Percebeu que realmente aprendeu a fazer isso muito rápido. Quando chegou aos amigos jurava que nem lembrava mais.

A noite voltou a sua total normalidade. Ambos vão ao menos fingir se divertirem. Ela teve um pouco mais de problema nisso. Devido a experiência ele o fez muito bem, quase imperceptível.

Tudo volta a exalar um ar de comum e eles, como quem respira, passaram a noite se observando, sutilmente, para que não se percebessem.