segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pleine de grâce

Eu disse “alô”. Do outro lado do telefone saiu uma voz que eu jurava que nunca mais iria ouvir. Pedi para que meus ouvidos estivessem me enganando e perguntei para ter certeza. Um “quem é” de quem já sabe quem é.

Sim, era ela. Falou seu nome como se eu tivesse obrigação de ter lembrado. Tentei desconversar com um “ah, mas faz tanto tempo”. Gaguejei mais vezes do que podia ou devia.

Puta merda, era ela. O que queria? Para que inferno foi me ligar? Perguntou como eu ia. Não como eu estava, mas como eu ia. O que alguém quer saber quando pergunta como se vai? Eu disse que ia como sempre, um pé na frente do outro. Devagar. Sempre para frente. Bom, às vezes para os lados, principalmente quando preciso desviar de quem vem na contramão.

Ela riu. Eu lembrei daquele riso. Era só meu. Só usava quando eu falava bobagens para ela rir. Ela usou exatamente aquele riso e felicitou por estar bem.

Corrigi, claro. Disse que ela tinha perguntado como eu ia e não como estava. Como sabia se eu estava bem. Ela disse que só sabia e perguntei porque ela ligou se sabia. Disse que queria ter certeza.

Alguns minutos de silencio.

Ela disse para eu falar. Eu perguntei “o que”. Ela disse para falar qualquer coisa e perguntou se eu não queria saber como ela estava ou como ia. Eu respondi que não queria saber nem uma coisa nem outra. Fui sincero. Duro, mas sincero. Tentei não fazer, mas fui sincero.

Ela disse que então tava. Mais silencio.

Ela ia começar a falar e eu também. Ela foi educada e me deu a vez de falar. Eu disse “tchau”. Assim só tchau. Daquele jeito regionalista quase esquecendo o tê. Ela disse tchau e ia dizendo beijo, mas desistiu no be e disse abraço.

Depois eu só ouvi “tuuuuu” de outra voz mais conhecida. Demorei algum tempo escutando isso, como se esperasse a voz dela voltar. Não voltou.

Fui para o meu quarto, deitei na cama, procurei um cheiro que estava sentindo na memória e então durmi.

Um comentário:

Guedes, disse...

Mais uma vez parabéns André! Você conseguiu me deixar presa a esta leitura, muito bacana... adoro textos deste tipo, descritivos, com começo, meio e fim.. dá vontade de ler(devorar a leitura) rapidamente só p saber o que acontece no final, e foi o que aconteceu agora! Bacana! Abraçoo! ;)