sábado, 18 de julho de 2009

Senso

Era meu olhar aos olhos delas. Depois era eu dentro dos olhos dela. Meu nome na boca dela, minha língua na boca dela, mais e mais de mim na boca dela.

A minha mão corria em busca dela. Cada curva que passava eu não sabia mais se era eu ou se era ela. Eram curvas, pêlos e fendas. Apenas isso. Sem dono, nem fim.

Era eu dentro dela. Ela a me devorar. Com todas as bocas, com todas as mãos. Buscado o palato quente dos sentimentos.

As peles eram uma só pele. O suor das sensações era o que as grudava. Grudava e davam um gosto salubre as palavras. Grudava e matava a sede das línguas.

Eram faíscas que começavam brotar no ar. Brotavam nos corpos. Tenho duvidas se não era apenas um corpo. De tão próximos, de tão dentro um do outro. Contrariando as leis da física.

As faíscas ascenderam o estopim da paixão. Que foi queimando deliciosamente pelas colunas daquele corpo único que eram dois. Uma explosão! Os corações se encarregaram do estrondo. As bocas cuidaram dos gritos de surpresa. Os pulmões eram responsáveis pela respiração pesada de emoção.

Eram dois corpos sobre os lençóis. Juntos, muitos juntos. Vejo-me novamente nos olhos dela. Minha mão corre seu rosto e afasta uma mecha de cabelo. Recebo um sorriso e devolvo. Beijo seus lábios. Procuro todas as palavras que conheço para agradecer aquele momento. Ela só diz “eu te amo” e faz bem melhor que eu.

A paixão começa a dar lugar ao amor pouco a pouco. Mas os corpos não desgrudam. Dentro daquelas paredes todo parece estar no lugar certo. Lá fora está tudo errado. Dentro tudo é perfeito. Lá fora mundo está acabando. No entanto, nenhum dos dois está dando a devida atenção. Ela fica indiferente. Já eu, desejo é que o mundo exploda mesmo.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Investigação

Às vezes me perguntam de onde tiro tudo que escrevo. De certo não vivi todas as minhas letras. Nem nunca fui tão triste, nem tão feliz. Mas nunca soube dizer de onde tudo vem. Em certos momentos até eu quero saber. Olho para o papel, vejo as palavras e pergunto de onde elas vêm. Elas nunca me respondem, então eu tento inventar. Dizer que vêm de D’us não satisfaz alguém tão cético quanto eu. Dizer que saem da minha cabeça é prepotência demais até mesmo para mim. Olho para o meu ombro, desço pelo braço, antebraço, dedos, unhas e olho como o detetive que encontra o bandido. Faço minha melhor cara de mau e dou voz de prisão à caneta que corre pelo papel. Encontrei meu culpado, achei minha caixa de Pandora. Devo trancafia-la de vez ou inundar o mundo com todo tipo de aberração que existe lá dentro. Penso bastante nos prós e contras de tudo isso, mas deixo a caneta correr...

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Pleine de grâce

Eu disse “alô”. Do outro lado do telefone saiu uma voz que eu jurava que nunca mais iria ouvir. Pedi para que meus ouvidos estivessem me enganando e perguntei para ter certeza. Um “quem é” de quem já sabe quem é.

Sim, era ela. Falou seu nome como se eu tivesse obrigação de ter lembrado. Tentei desconversar com um “ah, mas faz tanto tempo”. Gaguejei mais vezes do que podia ou devia.

Puta merda, era ela. O que queria? Para que inferno foi me ligar? Perguntou como eu ia. Não como eu estava, mas como eu ia. O que alguém quer saber quando pergunta como se vai? Eu disse que ia como sempre, um pé na frente do outro. Devagar. Sempre para frente. Bom, às vezes para os lados, principalmente quando preciso desviar de quem vem na contramão.

Ela riu. Eu lembrei daquele riso. Era só meu. Só usava quando eu falava bobagens para ela rir. Ela usou exatamente aquele riso e felicitou por estar bem.

Corrigi, claro. Disse que ela tinha perguntado como eu ia e não como estava. Como sabia se eu estava bem. Ela disse que só sabia e perguntei porque ela ligou se sabia. Disse que queria ter certeza.

Alguns minutos de silencio.

Ela disse para eu falar. Eu perguntei “o que”. Ela disse para falar qualquer coisa e perguntou se eu não queria saber como ela estava ou como ia. Eu respondi que não queria saber nem uma coisa nem outra. Fui sincero. Duro, mas sincero. Tentei não fazer, mas fui sincero.

Ela disse que então tava. Mais silencio.

Ela ia começar a falar e eu também. Ela foi educada e me deu a vez de falar. Eu disse “tchau”. Assim só tchau. Daquele jeito regionalista quase esquecendo o tê. Ela disse tchau e ia dizendo beijo, mas desistiu no be e disse abraço.

Depois eu só ouvi “tuuuuu” de outra voz mais conhecida. Demorei algum tempo escutando isso, como se esperasse a voz dela voltar. Não voltou.

Fui para o meu quarto, deitei na cama, procurei um cheiro que estava sentindo na memória e então durmi.